O mundo vive uma situação extrema, e medidas extremas têm sido adotadas (muitas de forma acertada) por governos de diversas matizes e tendências. No meio de uma crise sanitária global causada pelo novo coronavírus e, por consequência, econômica, provocada pelo “esforço paralisante” que a humanidade precisou empreender, temos presenciado contradições entre discurso e ação política, e também o surgimento de defensores e críticos de antigas teses, o que causa a impressão de um retorno aos debates da Guerra Fria. O momento de crise oferece ao intervencionista convicto, por exemplo, a oportunidade de exibir uma experiência prática não calamitosa da aplicação de suas propostas. De outro lado, temos defensores de uma visão diametralmente oposta, baseada no indivíduo — ou na “moralidade do autointeresse” — que tem como um de seus ícones a filósofa Ayn Rand. A citação da autora nesse texto se dá pelo surgimento de outdoors na cidade de Vitória, com uma campanha “anônima” que corrobora a existência desse clima de “embate ideológico”. A campanha cita um personagem do livro da autora, “Revolta de Atlas”, que era também o título da obra em seu primeiro lançamento no Brasil: “ Quem É John Galt - ?”.
Há quem acredite que o momento não é o mais adequado para um embate ideológico. Acontece que política sem ideologia é uma impossibilidade. Não precisamos perscrutar autores clássicos para compreender essa questão; basta observar que as ideias surgem antes da ação, logo, toda ação política é precedida de um ideal. A política respira e se movimenta por meio da ideologia e a única novidade, se é que podemos chamar de novidade, é a disseminação de variadas teses ideológicas numa sociedade que, há muito pouco tempo, era tratada erroneamente por alienada. A impressão é de que o nosso sistema político-partidário sufocou as teses libertárias, liberais e conservadoras por muitos anos, contudo, e para o bem da política, não o suficiente para eliminá-las. Os movimentos sociais que emergiram depois de 2013 funcionaram como “respiradores mecânicos” que mantiveram vivas as teses que hoje enriquecem o debate público nacional. A pandemia ideológica é tão presente e tão real quanto a crise, mas os conflitos oriundos dela, aos olhos de um legislador ou gestor público atento, podem e devem servir de bússola para buscarmos uma rota de saída.
Assistimos no planeta inteiro que a crise provocada pela pandemia do Covid-19 permitiu o intervencionismo estatal desmedido, subsídios impensáveis e um controle social que só seria possível numa situação de guerra. Contudo, é preciso colocar as coisas em seu devido lugar, buscar serenidade e não permitir que preconceitos ou certezas se convertam em excessos ou tornem perenes os remédios transitórios.
Precisamos da participação de todos na busca de soluções, inclusive daqueles que sabem ou não sabem quem é John Galt.
Luiz Emanuel Zouain da Rocha é Vereador de Vitória
Data de Publicação: segunda-feira, 18 de maio de 2020